quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025
domingo, 22 de dezembro de 2024
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Automotora UDD 9635 em Sernada do Vouga, a 12 de dezembro de 2024. Foto: Bruno Soares |
Quando se fala na modernização da Linha do Vouga, o tema da bitola há muito que deveria estar ultrapassado. Se o Plano Ferroviário Nacional estivesse aprovado e fosse seguido à regra, isso já não seria tema de discussão.
A verdade é que a obsessão da mudança para bitola ibérica e a pressão do 'lobby' que isso defende, e que entretanto se enraizou dentro do próprio governo, tem ganho terreno nos últimos tempos, o que deixará o futuro desta via férrea num impasse mesmo após a conclusão dos trabalhos de renovação de que está a ser alvo.
Prova disso é o Estudo de Procura e Análise Custo-Benefício com que a Infraestruturas de Portugal vai agora avançar, tendo esta confirmado ao MCLV que um dos cenários objeto de estudo implicará a mudança para bitola ibérica no troço norte (Espinho-Oliveira de Azeméis), com o intuito de criar a "ligação da Linha do Vouga à Linha do Norte, a partir da zona de Espinho, com introdução de um serviço suburbano".
A propósito deste estudo, e antes de sabermos desta intenção por parte da IP, o MCLV foi abordado por Diogo Ferreira Nunes, um dos mais conceituados jornalistas da temática ferroviária, para responder a uma série de questões para o Diário de Notícias (DN), as quais aqui partilhamos agora na íntegra:
DN: O que o vosso movimento tem a dizer sobre este estudo de procura e se isto comporta riscos de novo atraso na modernização da Linha do Vouga?
MCLV: Numa altura em que já deveria estar aprovado o Plano Ferroviário Nacional, e consequentemente, o projeto de modernização para a Linha do Vouga, a verdade é que a IP parece ir avançado, e bem, por decisão própria (e não do governo), com trabalhos de renovação de via que para já servem não mais do que para repor as condições normais de segurança e de circulação. Este estudo com que a IP vai agora avançar, quer parecer-nos também que nada tem a ver com o estudo que o governo inscreveu no Orçamento de Estado para 2025, este último com o objetivo, e citando o ministro Miguel Pinto Luz, de "pensar numa solução ainda mais perene que possa criar sinergias, nomeadamente com a Linha do Norte".
Respondendo concretamente à vossa questão, qualquer estudo que se faça neste momento, seja ele mais ou menos necessário, vai sempre atrasar o processo de modernização da linha, pois a IP e a tutela, em primeiro lugar, como é evidente, terão de esperar pelos resultados, e em segundo, em consequência das conclusões desses resultados, poderão optar por um projeto de maior exigência técnica, que exigirá também mais tempo de execução.
Entre outros, o “cenário 3” a que a IP se propõe a estudar é aquele que mais nos preocupa, uma vez que não se restringe à infraestrutura atual, o que significa por isso, que a empresa pública está a dar abertura para que possam ser estudados cenários que poderão passar pela mudança da bitola da linha, reconversão para Metro do Porto, ou pior ainda, reconversão em metrobus. Mesmo os cenários “1 e 2” aparentam ter algumas nuances que partem de pressupostos que consideramos errados, em primeiro porque a linha não será mais atrativa suprimindo paragens, e em segundo, não é apenas a eletrificação que lhe irá conferir tempos de viagem mais competitivos. O que esperamos que seja objeto de estudo para a modernização que se exige e que tornará esta linha atrativa e numa verdadeira solução de mobilidade, deveria passar pela reposição da interface com a Linha do Norte, em Espinho; a criação de outra com a futura Linha de Alta Velocidade no concelho de Santa Maria da Feira; a relocalização (e não supressão) de apeadeiros para zonas mais próximas a fábricas e habitações; aumento da frequência e implementação de horários cadenciados; eletrificação com correção de pelo menos 20% do traçado; aquisição de novo material circulante, etc.
Ora, mediante os estudos que a IP e a tutela têm agora em vista, relembramos que terá sido precisamente um estudo de impacte ambiental que reprovou a ligação direta da Linha do Vouga à Linha do Norte, em Silvalde (Espinho), devido à proximidade ao campo de golfe ali existente, o que terá acabado por se revelar o fator determinante que levou o governo anterior a optar por planear a sua modernização mantendo a bitola métrica e estendendo a via à superfície até junto da estação de Espinho, por forma a repor ali a extinta interface. Perante a opção em se gastar verbas em novos estudos, ao invés de, por exemplo, avançar-se com os trabalhos necessários para a reposição da dita interface, somos, portanto, da opinião de que o que era uma certeza voltou a ser uma indecisão, pois pretende-se analisar algo que seria de fácil conclusão, tendo em conta os dados da linha anteriores à eliminação desta interface, que mostram que esta terá perdido 100 mil passageiros. Aliás, a obsessão instalada pela mudança da bitola no troço norte, que serve os concelhos integrados na AMP, com o simples objetivo de se ter uma ligação direta ao Porto, só servirá para atrasar ainda mais o processo de modernização que já se arrasta há anos e não nos cansamos de alertar que dar abertura ou continuar a alimentar ilusões de mudança de bitola para a Linha do Vouga, é seguir por um caminho perigoso que pode levar à sua reconversão num simples metrobus, ou na pior das hipóteses, levar ao seu encerramento definitivo.
DN: Acham que o projecto de modernização previsto no PNI2030 está em risco?
MCLV: Por tudo aquilo que já explicamos na questão anterior e por estarmos convictos que este governo da AD tem uma visão para a modernização da linha totalmente diferente da nossa, até porque o secretário de estado Emídio Sousa e o ministro adjunto e da coesão territorial Castro Almeida são abertamente defensores da mudança de bitola, acreditamos que o governo poderá estar a preparar-se para rasgar o Plano Ferroviário Nacional no que à Linha do Vouga diz respeito, o qual é condizente com o que está inscrito no PNI2030, e portanto, ambos estarão em risco. Alterar o plano previsto pelo governo anterior é voltar a insistir numa solução que não funciona nesta linha, pois seja ela a mudança de bitola ou a reconversão em Metro do Porto, estamos a falar num cenário em que em ambos os casos teria que de se construir uma linha totalmente nova, que implicaria o triplo da despesa, que não passaria nos mesmos locais, e por conseguinte, não serviria as mesmas populações, que não se traduziria em ganhos de tempo de viagem e que acarretaria ainda mais problemas do que aqueles que já são conhecidos com a reconversão da Linha de Guimarães.
DN: Em que estado estão os actuais trabalhos na Linha do Vouga?
MCLV: Neste momento, os trabalhos de renovação integral de via do troço central, que liga Oliveira de Azeméis a Sernada do Vouga, têm avançado a bom ritmo, contabilizando-se já vinte quilómetros intervencionados entre a saída sul da estação de Oliveira de Azeméis e a entrada norte do apeadeiro de Urgueiras, em Albergaria-a-Velha. Acreditamos, por isso, que até ao final do primeiro trimestre de 2025, poderemos ter novamente os 96 quilómetros que restam da Linha do Vouga a funcionar na sua plenitude, entre Espinho e Aveiro. Ainda a propósito deste troço, embora sem garantir se o fará no decorrer destes trabalhos de renovação, a Infraestruturas de Portugal confirmou-nos recentemente que irá mesmo repor os Aparelhos de Mudança de Via (AMV, vulgo agulhas) nas estações de Pinheiro da Bemposta e de Albergaria-a-Velha. Tratam-se de boas notícias, já que depois de toda a polémica em torno deste assunto e de todos os nossos alertas para o erro que se estaria a cometer, a IP terá mesmo reconsiderado o projeto de renovação do troço central, que não previa a reposição dos ditos AMV e vai, por isso, repor os layouts daquelas estações para permitir cruzamentos de comboios. A empresa pública informou-nos, também, que a reativação daquele troço irá dotar estas estações para o serviço comercial, encontrando-se os AMV em processo de aquisição, sendo que efetuará a instalação dos mesmos assim que se considerar oportuno.
Quanto aos troços que faltam intervencionar também existiram avanços já que a Infraestruturas de Portugal, como é sabido e depois de subir os valores, lançou novo concurso público de 7,75 milhões de euros para a renovação do troço Águeda-Aveiro, e já anunciou a Fergrupo como a empresa vencedora do concurso de 7 milhões de euros para intervencionar o troço Feira-Espinho. No caso deste último, apesar da polémica em torno do visto por parte do Tribunal de Contas, o qual ainda não terá sido atribuído, estamos convictos que os trabalhos poderão arrancar no decorrer do primeiro trimestre do próximo ano. Quanto ao que resta intervencionar do troço sul (ou Ramal de Aveiro), analisando o timing do início dos trabalhos nos outros troços, muito provavelmente só verá máquinas no terreno no início de 2026.
Artigo DN: https://www.dn.pt/2620781993/linha-do-vouga-entra-em-impasse-apos-renovacao/
Artigo Dinheiro Vivo: https://www.dinheirovivo.pt/8424027779/linha-do-vouga-entra-em-impasse-apos-renovacao/
MCLV, 22 de dezembro de 2024
sexta-feira, 23 de dezembro de 2022
O MCLV tem uma surpresa de Natal para todos os seus seguidores. Eis que finalmente estamos em condições de apresentar o nosso mais recente projeto: "Vouga em Movimento"! Trata-se de um podcast onde mensalmente nos propomos a divulgar e debater as mais recentes novidades da Linha do Vouga.
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segunda-feira, 28 de setembro de 2015
"o que matou as linhas secundárias foi a estranha convicção que apenas o investimento em asfalto rendia votos..."
O Movimento Cívico pela Linha do Vouga foi ao encontro daquele que considera um dos maiores entusiastas do caminho de ferro e, principalmente, da Linha do Vouga, Ricardo Grilo. Estivemos à conversa com ele e o resultado foi a entrevista que se segue, na qual Ricardo comenta a situação da via férrea, por nós defendida, isento de preconceitos e sem "papas na língua"!MCLV (Movimento Cívico pela Linha do Vouga): Viva Sr. Ricardo Grilo (RG), antes de mais gostaríamos de agradecer, em nome do MCLV, a sua disponibilidade para esta entrevista. Sabemos que o Ricardo é um grande entusiasta dos caminhos de ferro mas também do automobilismo e da aviação. É comentador na Eurosport, membro da APAC e redige artigos para revistas. Reparamos que tem um conhecimento profundo da Linha do Vouga, sendo esse o principal motivo que nos levou a querer saber mais sobre as suas opiniões. Para quem não o conhece, quem é Ricardo Grilo?
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Ricardo Grilo na foto. Espinho, 1988 |
MCLV: Quando nasceu essa paixão pelos comboios?
RG: Desde que me recordo de existir que gosto muito de máquinas: aviões, carros, veículos militares e caminhos-de-ferro.
MCLV: E quando contactou pela primeira vez com a Linha do Vouga?
RG: Descobri a linha do Vouga no início dos anos 70, ainda a vapor, tendo ficado desde logo apaixonado por ela. Foi numa viagem do Porto para Lisboa que o meu pai me levou a almoçar ao restaurante do Poço de Santiago. E, mais do que o comboio a vapor, adorei ver passar a automotora a gasolina, cuja existência desconhecia. Jurei voltar, claro está. Apesar de ter 9 anos de idade.
MCLV: Lembra-se do primeiro comboio no qual viajou e em qual trajecto?
RG: A minha primeira viagem no Vouga foi em 1986, entre Aveiro e Viseu, numa Allan. Adorei!!!
MCLV: O Ricardo teve o privilégio de fazer a viagem entre Aveiro e Viseu na Linha do Vouga... Para quem nunca teve a oportunidade de a fazer, na sua opinião, o que se está a perder?
RG: Uma das mais românticas viagens de Portugal, independentemente do meio de transporte usado. A linha de via estreita, de perfil tipicamente de montanha, cortava áreas de floresta, mas também entrando por quintinhas e quintais, permitindo uma experiência sensorial absolutamente encantadora. Fiquei mesmo triste com o seu encerramento, para mim incompreensível.
RG: Com a entrada de Portugal na União Europeia, houve uma altura em que o financiamento parecia fácil e infinito. E, de facto, era necessário melhorar as infraestruturas rodoviárias. Mas também seria necessário melhorar as infraestruturas ferroviárias. E essa parte foi quase totalmente negligenciada, representando apenas uma ínfima percentagem do total.
No entanto, na minha opinião, o que matou as linhas secundárias foi a estranha convicção de que apenas o investimento em asfalto rendia votos, fruto talvez de uma geração de políticos cujos pais ainda não andavam de carro e que viam no asfalto um símbolo de progresso e nos comboios uma evocação do passado. Ou seja, sou tentado a pensar que o encerramento do troço entre Sernada e Viseu poderá ter sido mais influenciado por preconceitos que por qualquer razão técnica verdadeiramente incontornável.
Claro que havia sempre um relatório a justificar os encerramentos. Mas também era facílimo fazer cair o número de passageiros. Lembro-me que por volta de 1988 ou 1989, por exemplo, na Linha do Corgo, havia um comboio que saia de Chaves às 04h30 da manhã. Um dos 5 comboios diários circulava invariavelmente vazio, fazendo cair a média da linha para valores residuais de passageiros. Depois, a oferta deficiente e a falta de investimento em material, mas acima de tudo, na renovação das linhas, fez o resto: horários desenquadrados, poucas circulações, velocidades médias muito baixas, material demasiado velho para serviços não-turísticos, etc. Se tivessem conservado a linha, teriam agora um tesouro para explorar, eventualmente num plano alargado que envolvesse as regiões de turismo e propusesse um programa multifunções com componente ferroviária, mas também histórica (das invasões francesas à arqueologia industrial) e até termal.
MCLV: No caso concreto da Linha do Vouga, acha que os fogos, que foram um dos motivos que levaram ao encerramento deste troço, eram realmente provocados pelas locomotivas a vapor ou esta justificação tratava-se apenas uma espécie de bode expiatório?
RG: No primeiro encerramento, em 1972? Terá sido uma boa desculpa. Possivelmente até bem-intencionada. Mas, se bem me recordo, o maior incêndio de todos deu-se depois do encerramento. Depois, a revolução de Abril e a sociedade civil forçaram a reabertura. Que se prolongou - quase exclusivamente com recurso a material diesel – até ao dia 31 de Dezembro de 1989. A questão é que a CP indemnizava os agricultores que vivam perto das linhas e eram vítimas de incêndios. Segundo ouvi alguns ferroviários contarem há muitos anos atrás, mesmo depois da introdução das máquinas a vapor a fuelóleo (que praticamente não lançavam fagulhas) ou mesmo das locomotivas diesel-eléctricas (que não lançavam de todo), os agricultores continuavam a pedir compensações por incêndios alegadamente causados pelas fagulhas. Para alguns, aquilo tornou-se um modo de vida.
MCLV: Alguma vez mais a mítica ponte do Poço de Santiago irá ver um comboio?
RG: Acredito que sim. Uma nova geração de autarcas e gestores com maior sensibilidade cultural irá tomar o lugar da actual e ver o problema por outro prisma.
Numa região como a do Vouga, um monumento nacional como a ponte do Poço de Santiago ganha um valor cultural e turístico de inegável dimensão. A próxima geração compreenderá, sem esforço, que um roteiro turístico que envolva comboios clássicos (quer a vapor, quer com as raras e originais automotoras a gasolina construídas em Sernada do Vouga) num percurso entre Águeda e a dita ponte, com paragem no museu (agora isolado) de Macinhata e em Sernada, mas que também compreenda um itinerário histórico e um centro de interpretação dos combates entre as milícias locais e as colunas do Marechal Soult (que aqui foram detidas em 1809, a caminho de Lisboa), poderia começar a trazer uma outra animação para a região. A pequena barragem da Grela, construída nos anos 30, também poderia ser adicionada a esse projecto de turismo cultural de qualidade, embora aí já duvido que a linha voltasse a chegar às Termas de S.Pedro do Sul ou a Viseu. E o investimento de chegar de novo à ponte não seria de outro mundo, se as contas forem bem realizadas, eventualmente aproveitando fundos comunitários que ainda existem para este tipo de intervenções culturais e turísticas em regiões desfavorecidas...
MCLV: Como reage a todos os encerramentos de linhas que se verificaram nas últimas décadas em Portugal?
RG: Algumas das linhas tinham sido construídas para uma realidade que mudou, sem alternativas e numa época em que o caminho-de-ferro era monopolista. Depois, muitos anos de não-investimento e de falta de capacidade de compreender as ditas mudanças no mundo dos transportes ajudaram a condenar algumas delas. Outras, passaram por processos muito menos transparentes, principalmente nas vias estreitas que a CP herdou em 1946/47 e que nunca teve vocação ou vontade de as explorar.
Aí passaram-se alguns fenómenos que reputaria de muito pouco elegantes, para não empregar outra definição. Alguns deles já neste novo século.
MCLV: Concorda com a solução para muitas delas, nomeadamente pela construção de ciclovias?
RG: A solução das ciclovias representa um notável desperdício de meios para tão pouca vantagem. As bicicletas podem rodar em toda a parte. Mas os comboios não. Por outro lado, que eu saiba, não se transformam as SCUTS deficitárias em ciclovias. Há uma só vantagem que reconheço nesta moda: preserva os canais de modo a possibilitar uma futura reabertura das linhas, sem obrigar a grandes investimentos.
MCLV: O Ricardo tem algumas opiniões idênticas às das defendidas pelo MCLV... Concorda connosco quando afirmamos que a Linha do Vouga deve permanecer em formato de via estreita, sobretudo por ser a última linha deste género em Portugal (não contabilizando o Metro de Mirandela/Linha do Tua) a funcionar praticamente nas mesmas condições desde a sua inauguração? Por este simples facto, entre outros, pode considerar-se uma atracção turística?
RG: É sem dúvida uma potencial atracção turística, mas também uma base para um sistema de transporte ferroviário económico que serve uma zona densamente povoada. É um erro não aproveitar as potencialidades que a linha oferece. A questão do alargamento e rectificação é para mim uma prenda envenenada. Qual o objectivo? Comboios directos para Lisboa ou Madrid? Não faz grande sentido e o haver transbordos é a norma na via larga. Quantas vezes mudo de comboio entre Carcavelos e o Pinhão? Três ou quatro! Por isso quem for de Santa Maria da Feira ao Porto não ficará diminuído se fizer um único transbordo. É normal.
Mais ainda. No caso da linha do Vouga, o facto de ser de via estreita representa uma vantagem, pois torna-se mais versátil a nível do percurso (por exemplo, permitindo a futura exploração de canais novos por vias mistas, como se fosse um metro de superfície em Aveiro ou mesmo Espinho), além de ser tudo mais económico de adquirir, explorar e de manter.
Convenhamos a este propósito que os suíços não são pobres nem parvos e mantêm uma densa rede de via estreita modernizada e altamente eficaz, sem que alguém ponha em causa a sua validade. Quem fala em alargamentos para via larga não deve ter ido nunca à Suíça, ou sequer ao norte de Espanha, onde circulam os comboios dos FEVE.
MCLV: O assunto que marca a actualidade da Linha do Vouga é o facto de o Núcleo Museológico de Macinhata do Vouga se ter transformado numa "ilha ferroviária". Como encara este tema?
RG: Uma daquelas coisas que no mundo civilizado só poderia acontecer em Portugal. Desconheço em que estudos se terá baseado esta polémica decisão. Certamente foram sérios e rigorosos.
Mas para o leigo, dá a impressão que alguém decidiu que o museu era uma peça morta e que seria mais importante poupar uma ou duas agulhas neste projecto de renovação que manter a ligação existente do museu à rede ferroviária. E em consequência, retirar as agulhas que lá estavam, com uma argumentação que apenas funciona em teoria: ripar as linhas sempre que seja necessário colocar ou retirar material do museu é demasiado caro e apenas poderá ser usado por excepção e, segundo parece, apenas numa das duas linhas do museu. Só que o preço a pagar num horizonte mais alargado é muito elevado, pois coloca em causa todo o sonho de criar novas atracções turísticas auto-sustentáveis, de permitir um desenvolvimento baseado no que existe na região e, em consequência colocando em causa a necessidade de criar riqueza e emprego naquela zona envelhecida e sem grandes meios de fixar as populações.
Além disso falamos do último museu de via estreita que tinha ligação à rede ferroviária. Repito: era o derradeiro museu com ligação à rede. Que agora se isola para poupar uma agulha. De facto, parece-me uma decisão completamente desproporcionada. E injustificada.
MCLV: Apesar desta "aberração" que criaram no museu, considera que as obras que beneficiaram o troço entre Sernada do Vouga e Águeda foram uma mais valia para a sobrevivência da linha?
RG: Claro que sim. Foi uma obra que representou uma enorme viragem e uma notável flexibilidade de pensamento por parte de quem geriu o processo. Convém notar que a linha esteve marcada para encerramento no memorando da Troika e o governo acabou por reconhecer que seria um erro insistir nessa hipótese, recuando e investindo em obras de manutenção. E estas foram pragmáticas: nada de alargamentos, rectificações ou electrificações. Tudo foi feito com um orçamento realista que teve o dom de marcar o primeiro passo de podermos ter a prazo a desejada recuperação total do sistema do Vouga.
MCLV: Como classifica o estado em que se encontra o parque de Sernada do Vouga? Qual o futuro que perspectiva para Sernada do Vouga?
RG: É incompreensível que esteja completamente vandalizado. Os "graffitis" não são arte nenhuma. São assinaturas cuja maior ou menor disseminação dá maior importância aos membros dos gangues que os pintam. Que, segundo ouvi dizer, chegam a descer da Galiza para virem pintar as automotoras do Vouga. É que em Espanha os seguranças andam armados e as penas são pesadas.
O problema é que para estes pintores de ocasião darem azo às suas manifestações egocêntricas, sofre toda uma comunidade. O material ferroviário sujo e mal cuidado transmite desleixo e insegurança, sendo péssimo do ponto de vista de marketing. Pese embora as automotoras da série 9630 serem ainda relativamente actuais e tendo capacidade de prestar um serviço confortável por muito tempo ainda, sem grandes investimentos.
Quanto ao futuro da linha... depende de diversos factores, mas faria todo o sentido ser aproveitada no máximo das possibilidade que se possam explorar sem grandes investimentos. Haver comboios limpos, confortáveis, em horários cadenciados e sem ser demasiado lentos seria um bom começo. A possibilidade da linha continuar até ao centro de Aveiro como Metro de Superfície também não me parece descabida, podendo gerar novos serviços e passageiros. Parece-me também que em Espinho a linha tem que se reaproximar do centro, pois assim torna-se muito pouco convidativa a sua utilização. O investimento seria reduzido e o impacto da construção de um prolongamento da linha, apenas com 300 metros de comprimento, instalada num leito relvado (como no metro do Porto) seria insignificante para a cidade de Espinho (que se desenvolveu em boa parte graças à linha do Vouga) mas muito importante para um melhor aproveitamento do comboio de via estreita. Possivelmente muito mais importante que o alargamento, electrificação e rectificação da linha.
MCLV: Apesar de encerrado "temporariamente" ao tráfego de passageiros desde 2013, acredita que o troço entre Sernada do Vouga e Oliveira de Azeméis ainda pode sobreviver?
RG: Tem que sobreviver, senão compromete todo o funcionamento da linha, tornando a manutenção difícil e a gestão e rotação de material quase impossível. É insustentável em termos de custos e, acima de tudo, da imagem do produto, manter um serviço alternativo com carros de praça.
Já por algumas vezes ouvi dizer que poderia haver interesses imobiliários como peso a favor do encerramento dessa parte da linha. A ser verdade, o que não tenho por certo, parece-me um argumento que não pode ser sequer tido em consideração, num país que tem que se libertar de todo um modo anacrónico de gerir o património público sempre em favor de interesses privados. Há mais de um século que a linha é de todos os cidadãos da região e assim deverá permanecer. Ou alguém julga que daqui a 30 anos o modo rodoviário poderá continuar a resolver todos as solicitações de mobilidade de uma vila como Albergaria?
MCLV: No geral, o que deve ser feito para que a Linha do Vouga continue "viva" e atractiva, quer para as populações, quer para os visitantes?
RG: Parece simples: que possa servir correctamente as populações que a rodeiam e que saiba criar "a diferença que faz a diferença" para poder ser também a cabeça de cartaz de um produto turístico que em muito beneficiaria a região.
A este propósito, na Régua encontra-se uma composição histórica de via estreita (incluindo uma antiga carruagem do Vouga) que se encontra parada há quase 10 anos, sem linha para circular. Não ficaria maravilhosamente em Sernada do Vouga, com um programa cultural e turístico associado? Sabiam que Portugal é o único país da Europa que não possui um comboio turístico a vapor em funcionamento? Como se pode deixar fugir uma oportunidade tão exclusiva de fazer a diferença e de conquistar espaço no mercado do turismo?
MCLV: O que as câmaras municipais, por ela servida, deveriam estar a fazer pelo futuro da linha e não estão neste momento?
RG: Colaborar com a CP e com a tutela para encontrar soluções inteligentes para o desenvolvimento do transporte ferroviário (não é preciso nenhum orçamento milionário, mas sim e apenas boa vontade e trabalho) integrando tudo num projecto multidisciplinar com abrangência das áreas de transportes, turismo, cultura e lazer. Sobretudo, não comprometer as opções ferroviárias para o futuro com acções mal pensadas no presente.
MCLV: O que pensa que o MCLV pode e deve fazer para melhorar a sua luta?
RG: Tornar a divulgação dos factos o mais abrangente possível, a nível nacional e internacional. Por norma, quanto mais longe dos media e da opinião pública, mais longe fica das preocupações dos gestores e dos políticos.
MCLV: Damos assim por concluída esta extensa entrevista, agradecendo uma vez mais a disponibilidade do sr. Ricardo Grilo que nos brindou como todo o seu conhecimento e experiência. Muito obrigado e viva a Linha do Vouga!